A VELHICE E O DESAPEGO

 

A meio da vertente íngreme, o velho fatigado deteve os seus passos.

E relanceou os olhos pelo vale, que se estendia ao pé da montanha: a relva verde e macia, os animais que pastavam, as crianças alegres que corriam e as flores que coloriam a paisagem.

Sentiu o impacto da beleza e do cansaço; abrigou-se à sombra amiga de uma árvore. Fechou os olhos, recordando o passado. E orou, com gratidão e fé, do fundo de seu coração.

“Obrigado, Senhor. Eu vos agradeço, por cada novo dia.

Por cada novo amanhecer e por cada novo anoitecer. Pelas oportunidades, que me dão, de aproveitar as belezas deste mundo; de contemplar a vida ao meu redor, falar de amor e sentir o amor.

Mas a verdade é que estou cansado. E que viver o amor, em todas as suas faces e todos os seus encantos, é um privilégio dos jovens. Aos velhos, o que resta é o consolo das lembranças.

Talvez esteja na hora de ir-me. De abandonar esta jornada, enquanto me é possível andar com os meus próprios pés; enquanto caminho pelo mundo, vendo as suas flores e os seus desertos.

Pois de pouco vale seguir, sem as forças necessárias para viver uma vida plena. E é muito triste perceber que a decrepitude nos limita, a cada dia tolhendo um pouco mais os nossos passos.

Cansado estou de ser forte e seguir em frente, quando muitas vezes quero deixar-me cair ao lado do caminho; cansado de conviver com as idades diferentes do meu corpo e do meu coração.

Cansado estou; e pronto para retirar-me agora, enquanto ainda dependo apenas de mim mesmo. Enquanto ainda sou capaz de viver, caminhar e atender às minhas próprias necessidades.

Pois, embora os meus sonhos não morram nunca, torno-me cada vez mais difícil de entender, para aqueles que me querem bem, por mais que seus corações me tenham afeição e estima.  

E prefiro ser uma doce lembrança, que sobreviva ao tempo; não um pesado encargo, que se leva às costas. É bem melhor ser um sonho que se foi, do que um pesadelo presente e real.

Estou cansado. E, ainda que seja infinitamente agradecido por tudo que vivi e vivo, por cada dia passado no mundo, estou pronto para ir; antes que me torne um peso para pessoas que amo.

Agradeço por tudo que tenho vivido; pelo carinho que encontrei, pelos sorrisos de que desfrutei. Pelo afeto e pela companhia, durante o tempo que vem durando esta minha longa jornada.

Mas é mais difícil, a cada dia, conviver com as limitações do meu corpo e as inquietações de minha alma; estou cansado e pronto para chegar ao oásis do nada, onde dormirei uma longa noite.

Necessito repousar, antes de iniciar uma nova caminhada. E, se ela vier, espero que eu possa ser mais sábio e não repita os mesmos erros; para que não precise caminhar por tanto tempo.

Talvez este cansaço, que me invade, seja a chegada do aprendizado, a mostrar-me que também esta jornada se finda. Afinal, um dia ou outro, todos retornaremos ao Coração do Universo.

O que varia é o tempo de cada viagem.”.

Música:

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