A VIDA E A ILUSÃO DA MORTE
Direis, talvez, que a morte é para mim um tema recorrente.
E eu vos direi que assim deve ser. Porque, quando constantemente repetida aos vossos ouvidos, finda a verdade por encontrar guarida em vossos corações.
E é difícil, para o homem, entender conceitos e verdades que ultrapassem os limites do corpo. Como difícil seria, para o cego de nascença, entender as cores e a beleza que tornam encantador o nascer do sol.
E é difícil, para o homem, entender que o fim é apenas a véspera do recomeço. Entretanto, para que sobrevenha a chegada foi necessário que houvesse a partida; e para que a resposta surgisse, foi necessário haver a pergunta.
Pois na raiz de cada descoberta, um dia existiu uma dúvida. E aonde vos levam as vossas descobertas, senão a novas dúvidas, que por sua vez fazem nascer novos conhecimentos?
Eu vos tenho dito que a flor, ao desprender-se da planta e murchar sobre o chão, em adubo se torna. E, assim, não voltará a viver, em cada nova flor que esse adubo ajudar a brotar?
Como a gota d’água que tomba sobre a terra, nela parece encontrar o seu anônimo sepulcro. E, entretanto, em vida se transforma para os animais e as sementes que sob o solo se encontram.
A morte é uma ilusão dos vossos sentidos. Porque vos habituastes a acreditar apenas no que vos é dado ver, cheirar, sentir, pegar e saborear; e assim necessitais da presença física, para acreditar na vida.
Deixai-me dizer-vos, entretanto, que nenhum dos vossos sentidos pode perceber o amor, nem a felicidade, nem a tristeza, e nem sequer a saudade. Que, entretanto, existem e se fazem sentir em vós.
Não é no corpo que existe a Vida. Como não é na flor que existe a beleza, nem no sorriso da criança que está contida a inocência, nem na lágrima que escorre a dor da separação.
Cuidais, acaso, que deixe a fumaça de existir, ao quebrar-se o vidro que a continha? Ou que se extinga o aroma, quando é fechado o frasco do perfume? Acreditais que, ao apagar a lâmpada, podeis destruir a luz?
Sabei, então, que a Vida transcende ao vosso corpo. Como o saber sobrevive ao livro que o fez nascer, a musica persiste quando se cala o instrumento, e os ideais sobrevivem àquele que os criou.
Decerto, não pode o corpo existir para sempre. Mas a flor, que separada da planta fisicamente definha, viverá para sempre na memória da enamorada que um dia do amado a recebeu.
A morte é uma ilusão dos vossos sentidos. Porque a Vida não está no coração que bombeia o sangue, nem nos pulmões que processam o ar; nem mesmo no cérebro que comanda o vosso corpo.
E sim em vosso verdadeiro Eu.