O Árabe

Idéias, sentimentos, emoções. Oásis que nos ajudam a atravessar os trechos desérticos da vida...

sábado, 29 de março de 2008

A MULHER AMADA

Eis que me pedistes para definir a mulher amada.

E como o poderia eu fazer?

Criou o homem palavras para expressar o brilho dos olhos,
o encanto de um beijo,
a ternura da infância,
a esperança da saudade?

Poderá alguém definir o que não tem existência real?

Pois aquela a quem amais não está ao vosso lado, mas em vossos sonhos e pensamentos. É neles que mais intensamente viveis o amor, encontrais os sentimentos, sofreis e sois felizes.

Ao enxugardes as lágrimas da vossa amada, não é o seu pranto que vos entristece, mas o vosso próprio pranto. Como, ao vos encantardes com seu riso, o fazeis porque nele vibra a vossa própria alegria.

Pois amar é mergulhar em outra pessoa, para encontrar os próprios anseios e esperanças; abandonar a si mesmo, para encontrar-se de volta na pessoa amada.

Amar é viver, em outrem, os próprios sonhos.

Em verdade, eu vos digo que jamais alguém poderá definir aquela a quem ama; se algum dia o fizer, por certo deixou de amá-la.

A mulher amada não precisará estar em vossa casa, pois estará em vosso sangue;
nem viver no vosso cotidiano, pois viverá nos vossos sonhos;
nem sequer amar-vos, pois o vosso amor bastará a dois.

E não precisará ser bonita, pois não a vereis com os olhos do rosto e sim com os do coração.

Deverá sim, colorir a vossa realidade,
dar sentido à vossa vida,
atingir o vosso verdadeiro Eu.

Quando os seus olhos encontrarem os vossos, vereis o mundo de outra forma.

Quando os vossos lábios se encontrarem, haverá uma permuta de almas.

Quando os vossos corpos estiverem juntos, o tempo perderá todo o significado. E a vida deixará de ser apenas uma palavra, para transformar-se em algo infinito.

Pois assim é o amor, e é esse o seu encanto:
o encanto de um eterno sonho,
o encanto da mulher amada.

Texto do livro "A Sabedoria de Hassan".

domingo, 23 de março de 2008

A CANÇÃO DA HUMILDADE

Milhões de seres humanos existem sobre a Terra.


E por que haveria eu de julgar-me melhor que qualquer um deles?

Acaso não temos a mesma essência, não somos filhos do mesmo Pai? E não possui cada um de nós um verdadeiro Eu?

Que eu seja como o junco, que não afronta o vento, mas antes lhe cede a passagem; pois o carvalho, que julga poder detê-lo, muitas vezes tomba durante a desnecessária luta.

Que a humildade não se afaste de meu coração, pois a presunção leva à prepotência e na sua origem está a dúvida do próprio valor; o que menospreza os outros é aquele que não tem certeza da própria serventia.

Que os meus lábios se calem, antes de proferir palavras que humilhem os meus irmãos. Pois aquele que ao seu redor semeia ofensas, acabará por colher a solidão.

Que jamais venha eu a fazer mau juízo de alguém, porque cada homem projeta nos outros o que julga de si mesmo. E que os meus pés não pisem sobre os meus irmãos, mas apenas sobre os seus sofrimentos.

Eis que não desejo a pompa e a glória terrenas, pois as suas fanfarras ensurdecem os ouvidos humanos para as verdades da vida. Mas, se ao topo me conduzir o destino, que possa eu continuar amigo dos meus amigos e coerente com as minhas verdades.

Que jamais se turve a minha alma, na mentirosa embriaguez do poder. Pois somos o que somos, não o que julgamos possuir.

Será maior, perante o Pai, o filho que de mais posses desfruta? E o que fará de suas terras, do seu dinheiro e de todos os seus bens, durante a Grande Viagem?

E será, acaso, mais feliz aquele que se acostuma a mandar? O que fará, quando ninguém mais houver para obedecer às suas ordens?

Infeliz daquele que dedica as suas forças a semear aparências de poder, que se desfarão nas águas do tempo.

Pois as verdadeiras sementes são eternas, desde o início do homem sobre o mundo. E, na sua aparente simplicidade, sobrevivem a todos os tiranos que um dia se julgaram deuses.

Por isto, que eu possa eu plantar sempre ao meu redor:
- o amor
- a amizade
- a tolerância
- a compreensão.

Que sejam as minhas palavras como a brisa que retempera, não como o furacão que destrói.

Que persista em mim o respeito aos meus irmãos, para que deles eu obtenha o respeito. E não o temor, que é apenas o ódio sob a máscara do medo.

E que em mim sempre exista a humildade.

Pois é ela o caminho para a verdadeira grandeza.


Trecho do livro "A Sabedoria de Hasssan".
Imagem de Pedro Gomes, no site 1000 imagens.

domingo, 16 de março de 2008

DO SEXO

O sexo é a escada maravilhosa, que vos pode levar a Deus.

E a rampa escorregadia, pela qual mais facilmente podem decair as vossas almas.

Porque é a parte mais pura e mais natural que existe em vós. E o seu prazer maior não é a satisfação do corpo, mas a sensação de companhia na alma.

É como tantas outras coisas, que recebestes e não sabeis usar; porque, na vossa ignorância infantil, temeis a felicidade que tanto procurais.

Assim, vos perdeis quando vos deveríeis encontrar; e cercais de falsas impressões o que existe de mais simples e verdadeiro.

E as vossas mentirosas verdades vos deixam as mãos cheias de nada e o coração vazio de tudo.

Porque vos baseais nos santos e nos animais, para estabelecer os vossos parâmetros; e não sois iguais a uns nem aos outros, mas a uma mistura dos dois.

Pois o santo não passa de alguém que venceu o animal em si mesmo. E, ao fazê-lo, perdeu uma parte da sua humanidade.

Que sejam, pois, as vossas relações sexuais como um culto Àquele que as tornou possíveis.

E que vejais no corpo do outro um altar imaculado da natureza.

Que o amor seja o incenso que queimais para purificar o culto, e no qual se envolva o vosso altar.

Que os vossos suspiros sejam como preces de gratidão e alegria, por vos sentirdes amados.

E que entre as vossas almas exista uma comunhão maior que a dos corpos.

Para que juntos possais, por eternos instantes, abandonar este mundo.

E, enlaçados, vos elevardes aos céus.

Como no post anterior, trechos do livro "Na Trilha do Profeta", publicado pela ACIGI- Associação Cultural Internacional Gibran.

domingo, 9 de março de 2008

DO AMOR

Muitos vos têm falado do amor.

Tendes ouvido o poeta, que vos fala do amor nos olhos de uma mulher; o sacerdote, que prega o amor a Deus; e o construtor, que descobre traços de amor em belas edificações.

E cada um deles diz apenas uma parte da verdade; porque não fala sobre o Amor, mas sobre as suas próprias concepções do amor.

Eu, entretanto, vos digo que o amor é isso e muito mais:
- é o raio de sol, que acaricia o vosso rosto e não podeis reter
- é o mais lindo dos vossos sonhos e a maior das vossas mentiras
- é o pior dos vossos despertares e a maior das vossas verdades.

O amor não existe em si, apenas dentro de vós. E insistis em procurá-lo fora de vós, onde não pode ser encontrado.

Encarais o amor como a um ser vivo, e o dissecais para adorar o seu cadáver empalhado;
- e procurais entendê-lo, sem saber que nele nada há para ser entendido
- e julgais que o Amor é o vosso direito e a obrigação dos outros.

Como a felicidade e a tristeza, o amor é um estado de espírito; e, por assim ser, não se pode pretender eterna e invariável a sua intensidade.

É quando vos preocupais com a duração do vosso amor, que estais começando a destruí-lo; é quando quereis obrigá-lo a sobreviver, que lhe estais roubando o alento e causando a sua morte.

Porque duas coisas são fatais ao amor: a obrigação de amar e o direito de ser amado.

Porém, aquele que passar por este mundo sem conhecer o Amor, será como se a ele não houvesse vindo; como a chuva que se evapora antes de tocar o solo e volta a ser nuvem, sem que tenha sido realmente chuva.

Aquele que não ama é como a árvore firme, que produz frutos sem sabor. E aquele que vive apenas em função dos seus amores é como o tronco que se encanta com a beleza da planta parasita e sucumbe ao seu abraço colorido e mortal.

Um sonho só é realidade enquanto não deixa de ser sonho. Pois, se o Artista que traçou a realidade é o mesmo que coloriu os sonhos, é certo que não usou os mesmos pincéis.

Assim como não podeis viver sem os sonhos e a realidade, também não podereis amar sem alternar felicidade e sofrimento. E, se deixardes de amar, é certo que não conhecereis a qualquer dos dois.

Que não vos preocupem as definições do amor, nem a sua duração; amai, pois o amor vos reconduz a um Ser maior, que vos encontra no sofrimento ou na felicidade. Muitas vezes, o vosso medo de sofrer é o próprio sofrimento, e vos impede de ser felizes.

A ventura que vos desejo, como aos filhos mais queridos, não é a bolsa repleta, nem a mente saturada de conhecimentos, nem mesmo a saúde perfeita. É que possais conhecer o Amor; e, mesmo sem entendê-lo, o possais guardar junto a vós, ainda que apenas por um dia e uma noite.

Porque então percebereis o brilho das estrelas e sereis capazes de ouvir a canção do mar e sentir o perfume das flores. E o brilho, a canção e o perfume não vos chegarão pelos órgãos do corpo, mas através de vossas almas.

Podereis, ao fim da caminhada, partir deste mundo sem o remorso de quem se hospeda em casa alheia e trai Aquele que o abrigou. E, ao renascerdes no mundo maior, tereis nos lábios um sorriso de confiança e no coração uma prece de agradecimento.

Então, os anjos vos receberão entre eles.

E talvez vos seja dado ver a face de Deus.

De tudo que já escrevi até hoje, este texto é um dos meus favoritos. Faz parte do livro “Na Trilha do Profeta”, publicado pela ACIGI - Associação Cultural Internacional Gibran, em 1988, e foi com ele que inaugurei este blog. Como, na época, poucos tiveram a oportunidade de ler, tomo a liberdade de republicá-lo.

sábado, 1 de março de 2008

O ÚLTIMO DIA

Muitas vezes, procedeis como se as pequenas coisas da vida fossem mais importantes que a própria vida. Como se não fosse o tempo o vosso maior capital, e as alegrias do dia-a-dia os juros que ele vos rende.

Deixais de alegrar-vos pelo que tendes, e por tudo de bom que vos cerca, para angustiar-vos pelo que vos falta e pelas contrariedades que vos aparecem.

Assim, desperdiçais o tempo que tendes para ser felizes.

Procedeis como o viajante que, em vez de deliciar-se com o fresco banho nas águas do rio, irrita-se com a grama alta que lhe dificulta um pouco o acesso.

E pareceis não saber que recebeis de volta o que espalhais. Como a roseira, ao oferecer à mão ansiosa o espinho que fere, apenas receberá a revolta do magoado; e quando, ao invés, oferece a rosa entreaberta, recebe o carinho que a beleza faz nascer.

Eu vos tenho dito e repetido que, embora a Vida não conheça a morte, é curto o tempo de cada uma das suas etapas.

O tempo não vos pertence; marca, apenas, as etapas da vossa viagem. E, assim sendo, não vos é dado determinar ou, sequer, saber qual será o último dia de cada passagem.

Entretanto, se o vosso maior desejo é ver felizes os vossos filhos, como poderia ser outro o anseio de um Pai melhor do que vós?

Por isto, eu vos digo que tudo tendes para serdes felizes. Assim o quer o Coração do Universo, e a Sua divina mão tudo providenciou para suprir as vossas necessidades.

Todavia, embora tudo possais dar aos vossos filhos, não lhes podeis outorgar a felicidade, que de seus próprios corações depende; assim também acontece entre vós e o Pai.

Imaginai, por um instante, que este seja o vosso último dia.

Assim sendo, como o vivereis? Serão as mesmas as vossas reações? Do mesmo jeito ireis tratar àqueles que vos são caros ao coração? Da mesma forma vos entregareis aos aborrecimentos que surgirem?

Ou aproveitareis o tempo para sentir o calor do sol, o frescor da água, a beleza do mundo? Para desfrutar da companhia daqueles a quem amais, para envolvê-los em vosso carinho e sentir o seu amor por vós?

Buscai a felicidade, em todos os dias; só assim, não desperdiçareis aquilo que vos deu o Pai.

Pois ninguém pode garantir que amanhã não será o seu último dia...

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