O CANSAÇO DO PREGADOR
Descia o crepúsculo, quando o velho caminhou até a beira do penedo.
Deixou que o seu
olhar vagasse pelo vale, onde por tanto tempo as pessoas se juntavam
para ouvir as suas palavras. E um cansaço infinito tomou conta de seu corpo e de
sua alma.
Assentou-se,
pensativo, sobre a pedra dura e fria. E olhou para o céu que escurecia, onde uma águia solitária ainda voava caprichosamente, fazendo voltas entre as nuvens brancas e esparsas.
E perguntou a si
mesmo: “Será que a águia utiliza a força das suas asas e o alcance da sua visão,
para observar melhor a terra e assim saber onde encontrar as coisas de que
necessita?”.
“E eu, acaso, serei
como a águia? Será que tenho utilizado as asas dos meus sonhos para elevar-me
acima das coisas do mundo, e os olhos do meu coração para enxergar aquilo que
busco?”.
“Ou tenho sido como a
avestruz da lenda, que, apesar da sua altura e da velocidade de suas pernas, apenas
enterra a cabeça no solo e assim se torna indefesa, ao menor sinal de perigo?”.
“E, quando falo aos
meus irmãos, tenho sido como a flor, que ao seu redor espalha os mais doces
aromas? Ou como o cacto, que distribui espinhos, porque nada mais tem a
oferecer?”.
“Ao longo destes
anos, eles têm ouvido, com bondade, a minha voz. Mas terão sido as minhas
palavras como o vento brando, que transporta as boas sementes, ou como o vendaval
que destrói?”.
“Este é o meu maior
temor. Porque é certo que cada um pode fazer o que quiser, da sua própria vida;
mas é igualmente certo que a ninguém assiste o direito de causar prejuízo a
outra vida.”.
“Durante o tempo em
que estamos juntos, muitas vezes eu me tenho calado, para ouvir as inquietações
de seus corações; e sei que nelas reconheço as inquietações de meu próprio
coração.”.
“Por isto, ao responder
às suas perguntas busco esclarecer as minhas próprias dúvidas. Mas a verdade de
um, nem sempre é a verdade de outro; a água, onde respira o peixe, pode sufocar
a ave.”.
“É assim que é. E já
não sei se tenho sido um bem ou um mal em suas vidas; embora tenha sempre tentado
caminhar adiante deles, erguendo a minha lâmpada para iluminar o caminho.”.
“Agora me pergunto se,
na minha presunção, não os terei prejudicado. Se terei, realmente, iluminado a
nossa jornada; ou apenas contribuído para espalhar mais sombras em seus
caminhos.”.
“Porém, a verdade é que as sombras não existem
senão em função da luz; e o trabalho do homem que semeia ideias não é trazer
respostas, mas fazer com que surjam novas perguntas.”.
“Aquele que prega não
é a música, mas a flauta soprada pelo Artista. E se o Coração do Universo permite que as
palavras brotem da minha alma, é porque me atravessa o Seu sopro divino.”.
Música:
http://ohassan.dominiotemporario.com/marco/1_raul_di_blasio_travessia.mid