A VELHICE E A SOLIDÃO
Eu
vos tenho falado muito sobre o tempo.
E agora percebo que isto acontece,
porque mais e mais o sinto pesando sobre meus ombros; branqueando os meus
cabelos, dificultando os meus movimentos, trazendo-me um cansaço maior em cada
dia.
Percebo que aqueles que me cercam, preocupam-se cada vez mais comigo. E sinto diminuir a sua confiança em meu discernimento; na minha capacidade de tomar as minhas próprias
decisões.
É como se, ao envelhecer, eu me
tornasse novamente criança e passasse a depender de alguém. E, entretanto, nada poderia estar mais longe da verdade; ao contrário, a velhice
nos torna plenos.
O tempo que, um dia, cerrará de vez os
nossos olhos, é o mesmo que os abre para as verdades da Vida. E, à medida que
diminuem as faculdades que pertencem ao corpo, aumentam as percepções da alma.
De nada adiantaria, porém, repetir estas
coisas aos ouvidos dos mais jovens. A verdade é que ninguém entende além
do que conhece; e a juventude não pode entender a velhice, senão quando chega a ela.
Prefiro, pois, calar-me. Esta é uma
das coisas que a idade nos ensina: de nada vale alimentar discussões inúteis. Quem
acredita em algo, não precisa convencer ninguém; é melhor ter paz, do que
estar certo.
Calo-me; e prefiro falar-vos sobre o
tempo. Cultivo as minhas emoções, vivo o tempo que ainda me resta. E tento, tanto
quanto me é possível, entender-vos; até para que não me torne um estranho entre
vós.
Porque a cruel realidade é que vivemos
no mundo das durações limitadas; das percepções do corpo e suas aparências.
E, para aqueles que viverem o suficiente, dia virá em que se tornarão
invisíveis.
Sei que isto acontecerá comigo, como
já aconteceu a tantos outros; a menos que a minha jornada se finde numa próxima
curva. Mas, invisível ou não, procurarei trazer-vos sempre as minhas palavras.
Enquanto aqui estiver, eu vos falarei.
A voz em mim não se pode calar; e nem sei se é realmente minha, ou de
alguém que conheci em outra jornada. Trazer-vos o que aprendi; creio que esta é a minha
missão.
E, por isto, cada vez mais cultivarei
a minha solidão; porque é nela que melhor consigo ouvir as vossas palavras. É quando me calo e reprimo o que poderia dizer-vos, que mais à vontade me falais.
Deixai que eu vos ouça. E, se dia vier
em que não me julgueis digno de contar-me as vossas considerações sobre meus
erros de velho, ainda assim vos ouvirei. A vossa reprovação soa clara à minha
alma.
A cada dia, mais velho me sinto. E é
por isto que tanto vos falo do tempo: para que possais perceber que, também para
vós, ele passará. E deveis ver os velhos de modo diferente, pois um dia o
sereis.
A cada dia, mais velho me sinto; e procuro
bastar a mim mesmo. Cada vez mais, me conformo em cultivar a minha solidão; porque é assim que conseguirei seguir em frente, enquanto me couber caminhar.
E talvez possa ajudar-vos, com a vossa velhice
e a vossa solidão.
Música:
http://ohassan.dominiotemporario.com/marco/1_instrumentais_andre_rieu_my_way.mid
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